Olhos de fogo que engoliam o mundo e devoram a cidade. Engole o mundo se não ele te engole. Não parava de pensar na frase que tinha ouvido de uma boca alheia em um ônibus qualquer. Engole o mundo se não ele te engole. Mas porque aquilo fazia tanto sentido? As pernas já não tremiam mais. Será que o medo tinha passado? E aquela menina, que parecia ingênua tinha se tornado uma mulher à margem da sociedade. Ela não tinha nome nem voz. Os olhos doces viraram um mar, aonde as lágrimas corriam com facilidade, lágrima de sangue, de quem sobreviveu à guerra. No entanto, secaram aos poucos, tornando o tom de voz mais parecido com um animal que rosna.
Passos tortos, de um compasso quebrado, de um relógio parado. Era assim que ela sentia. Aonde seria que iria parar?
Foi assim que ela virou bicho. Não era que era má, muito pelo contrário. Era boa. Só que sair dos parâmetros não é fácil, transforma qualquer um. Aprender a enxergar 180 graus pode doer. A solidão agora era um pouco de boa companhia e o mundo, o mundo era um pássaro.
Veste o chapéu e entra para o lado excluído, daqueles exilados. Contracultura, escória, ninguém sabe o nome se você não se fizer ouvir.
E o relógio que marcava um minuto atrás do outro parecia mais uma viagem de ácido porque tudo era inacreditavelmente muito rápido.
Então, os olhos mais dóceis que já vi, foram perdendo a alma, de pouco em pouco. Um dia, ela acordou com uma dor de cabeça... Quando se olhou no espelho reparou que não tinha nada dentro, e a cabeça era oca. Perambulou pelas ruas. Dias seguidos, até esquecer seu próprio endereço.
Vivia nos becos escuros, com aquelas pessoas que estavam na mesma. Todos no limbo. Todos querendo sentir, ou deixar de sentir, tanto faz. Todos querendo abrir os olhos para enxergar qualquer cor que fosse. E ela lá. Deixou seu lado humano, e todo o seu maldito orgulho. E quando ela voltou a se olhar no espelho ela não reconheceu, quem era aquele novo ser? Será que era coisa do demônio?
E toda vez que essa dúvida surgia precisava de mais entorpecentes para esquecer qualquer coisa que tinha pensado. E foi assim até que em uma das idas ao banheiro, se deparou com um bicho do outro lado do espelho. "MEDO!" Sentiu com força dentro de si. Começou a tremer. “Eu quero voltar para casa”- pensou. Então o diabo falou rindo: Você nem lembra onde fica.
Ela saiu correndo, desesperada... E quando chegou à rua gelada, sabendo que o sol não ia nascer, decidiu voltar para onde estava. Beber, fumar, qualquer coisa. É difícil se encarar, ficar frente a frente com você, é matar ou morrer.
Porque ela permitiu que o mundo levasse toda sua ingenuidade? Nem ela sabia, ela só sabia que foi procurando o amor de cama em cama, de nuca em nuca, esfregando a coxa nos rapazes que poderiam significar muita coisa, mas não, sempre saindo sem rumo. E assim virou bicho, uma pantera com olhos negros de amor.
E foram longos os dias no limbo. Até que ela se esqueceu de procurar o caminho de casa. Aceitou a sua atual situação e tentou se adaptar, ser feliz ali, daquele jeito. Nasceu dentro dela algo próximo da esperança, nome piegas e cafona, mas servia para ela. Encaixava-se bem. E numa das idas ao banheiro, naquele momento de olhar dentro do olho começou a ver o ser humano e todas as suas fraquezas. E numa dessas idas e vindas ela viu que não era mais aquele bicho, mesmo também que ainda não fosse gente. Depois disso veio o acaso e suas peripécias de algo que se chama destino.
Em uma tarde qualquer, foi retomando os sentidos e correu para o espelho. Já não era mais aquele ser sem alma, andarilho. Enxergava-se, tão estupidamente humana, que era tão bom como nunca foi. E chorou tanto... Ah cachoeira boa! Foi quando sua alma renasceu e sua pupila refletia luz, luz de piedade por si e pelo próximo. A fome de mundo tinha acalmado, finalmente a digestão! Finalmente pode entender qualquer coisa, mesmo aquelas que não eram para ser entendidas. Ser forte é bom e dói, nossa, como tinha valido à pena! Às vezes é preciso perder a alma para torná-la mais pura, mais bonita. Foi então que abriu a cortina viu que o sol estava lá fora brilhando a dias, sem que ela visse. E ela correu para o sol e para o novo, como uma criança no primeiro dia de aula. Com fome de se lançar em qualquer coisa que valesse à pena!
Nenhum comentário:
Postar um comentário