O barulho da chuva era o som preferido dela, quase música. Amava esses dias, tinham algo de especial, um quê de bucólico. De repente fixou-se em observar a luz e o movimento da água caindo lá fora, por isso, apagou todas as luzes do apartamento e sentou-se em frente à janela. Ficou ali, parada estudando a paisagem no silêncio. É tão bom se concentrar em algo e esquecer o resto. A cabeça ficou vazia, ela só prestava atenção no cenário. Por um momento ela estava ali, plena e completa. Vivendo o presente mesmo não sendo o personagem principal da sua história. Deliciou-se com essa ideia, era simplesmente uma receptora, não queria dar nada, só queria ver, receber. Infelizmente, para a sua desgraça, o telefone tocou e o mundo a acordou para a realidade. Voltou a sentir-se triste, a precisar conversar com alguém. Esqueceu o que havia vivido e foi buscar compartilhar sua melancolia. Talvez a ajudasse a sentir-se melhor.
Atendeu ao telefone, era alguma operadora e desligou educadamente. Então, começou a discar o número de sua amiga preferida para falar de si. Toda a mulher tem uma amiga meio psicóloga. Mas dessa vez não foi a voz da amiga que atendeu, a chamada ficou estranha... Parou de chamar e ficou silêncio. Parecia que estava falando dentro de uma caverna. "Alô", ela disse, e lá do fundo, como eco, ela ouviu: "Alô?"
Ficou muda, prestando atenção no que ouviu. Desligou. Sentou no chão e ficou com uma vontade imensa de ligar novamente. Tinha algo naquela voz, naquele som. “Que curioso”, pensou. Queria ouvir novamente, parecia com ela, mas não era. E ligou mais uma vez, mas dessa vez a chamada funcionou normal.
A chuva não cessava e ao olhar a janela, cismou em repetir a ação, pegou o telefone e discou... Silêncio. Ao ouvir o vazio, como se do outro lado houvesse uma sala, uma caverna, um lugar para gritar e se ouvir, o reflexo de um eco. “Acho que atenderam”, pensou. Sentiu-se estranha, mas, começou a conversar... E engraçado, tinha alguém do outro lado. Era uma mulher, foi estranho a principio. Até que as duas começaram a falar e descobrir muitas coisas em comum. Ela desabafou os seus problemas, falou da sua solidão, falou do tempo. A outra também. Melacolia, solidão, abandono, eram tão parecidas, tinham tanto em comum. E nesse êxtase, de encontrar uma pessoa tão semelhante resolveu revelar seu segredo preferido, que nunca havia compartilhado com ninguém: "Os meus dias preferidos são os dias de chuva!"
Depois de horas ao telefone marcaram um encontro, um café. Queriam se conhecer. Ela estava ansiosa demais para isso. Queria conhecer logo essa pessoa, a pessoa perfeita, que a entendia. Quando chegou no café, esperou horas e ninguém apareceu. Ficou triste, começou a chorar. Ligou para amiga, aos prantos, não quis contar a loucura que fez. O que amiga ia pensar deste ato? Chamar uma pessoa estranha, de uma ligação errada, para tomar um café? Abafou a tristeza e chorou até que dormiu. Só que no meio da noite ela resolveu ligar. A pessoa atendeu e elas conversaram horas. Eram tão iguais. Tinham os mesmos gostos, mesmo os mais estranhos. Ela precisava encontrá-la. Queria muito conhecê-la. E passaram a se falar diariamente ao telefone, até que ela se apaixonou e implorou para marcarem um encontro de verdade.
Um dia, deprimida porque a outra não aparecia aos encontros, avisou o lugar e foi. Ficou esperando em um bar, sozinha. Tinha música e resolveu beber até que começou a se divertir. Já que a outra não queria aparecer, problema era dela. Ficou por lá, horas a fio, naquele bar que nunca tinha ido e ninguém a conhecia. Sentiu que podia fazer tudo, inventar um nome. Não fumava, mas estava acendendo um cigarro atrás do outro, dançando igual a uma gringa no meio da pista. Até que resolveu sentar. E enquanto fumava no balcão, viu uma mulher do outro lado, meio que de relance. O lugar era meio escuro, não dava para ver muita coisa, mas a mulher tinha olhos gigantes e a estava encarando. “É ela!” Intuiu eufórica. Atravessou o bar com as pernas trêmulas, não quis olhar direto, fingiu que não a tinha visto, pediu mais uma cerveja e sentou próximo da mulher, olhou de reflexo e viu os gigantes olhos azuis, parecidos com os seus, e se apaixonou perdidamente. Mesmo assim, estava nervosa demais e deixou a cerveja cair no chão. Ajeitou-se, e chegou mais perto. Resolveu assumir a embriaguez, o álcool é ótima desculpa nessas horas que precisamos de coragem, e sentou-se ao lado dela. Tirou força das entranhas e a encarou, ficaram cara a cara. Foi então, que se reconheceu naqueles olhos e percebeu que aqueles olhos eram os seus, e que se via no espelho. Não sabia se o que a confundiu foi o efeito do álcool, ou a solidão. A cabeça da gente é capaz de pregar truques. Ficou se olhando, horas, como não fazia há anos. Estava se conhecendo, se admirando, se achando bonita, se encantando com si mesma. Foi a primeira vez que se viu e descobriu a importância do que é se amar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário