quinta-feira, 8 de março de 2012

reflexões de uma guerra perdida

Sim, eu não morri.
Sim, eu estou vivo.
Sobrevivi ao holocausto
Num cásulo,
num bunker,
tanto faz...
A realidade tão pouco me importa,
se não há motivo para estar lá.

domingo, 4 de março de 2012

A imagem dela

O barulho da chuva era o som preferido dela, quase música. Amava esses dias, tinham algo de especial, um quê de bucólico. De repente fixou-se em observar a luz e o movimento da água caindo lá fora, por isso, apagou todas as luzes do apartamento e sentou-se em frente à janela. Ficou ali, parada estudando a paisagem no silêncio. É tão bom se concentrar em algo e esquecer o resto. A cabeça ficou vazia, ela só prestava atenção no cenário. Por um momento ela estava ali, plena e completa. Vivendo o presente mesmo não sendo o personagem principal da sua história. Deliciou-se com essa ideia, era simplesmente uma receptora, não queria dar nada, só queria ver, receber. Infelizmente, para a sua desgraça, o telefone tocou e o mundo a acordou para a realidade. Voltou a sentir-se triste, a precisar conversar com alguém. Esqueceu o que havia vivido e foi buscar compartilhar sua melancolia. Talvez a ajudasse a sentir-se melhor.

Atendeu ao telefone, era alguma operadora e desligou educadamente. Então, começou a discar o número de sua amiga preferida para falar de si. Toda a mulher tem uma amiga meio psicóloga. Mas dessa vez não foi a voz da amiga que atendeu, a chamada ficou estranha... Parou de chamar e ficou silêncio. Parecia que estava falando dentro de uma caverna. "Alô", ela disse, e lá do fundo, como eco, ela ouviu: "Alô?"
Ficou muda, prestando atenção no que ouviu. Desligou. Sentou no chão e ficou com uma vontade imensa de ligar novamente. Tinha algo naquela voz, naquele som. “Que curioso”, pensou. Queria ouvir novamente, parecia com ela, mas não era. E ligou mais uma vez, mas dessa vez a chamada funcionou normal.

A chuva não cessava e ao olhar a janela, cismou em repetir a ação, pegou o telefone e discou... Silêncio. Ao ouvir o vazio, como se do outro lado houvesse uma sala, uma caverna, um lugar para gritar e se ouvir, o reflexo de um eco. “Acho que atenderam”, pensou. Sentiu-se estranha, mas, começou a conversar... E engraçado, tinha alguém do outro lado. Era uma mulher, foi estranho a principio. Até que as duas começaram a falar e descobrir muitas coisas em comum. Ela desabafou os seus problemas, falou da sua solidão, falou do tempo. A outra também. Melacolia, solidão, abandono, eram tão parecidas, tinham tanto em comum. E nesse êxtase, de encontrar uma pessoa tão semelhante resolveu revelar seu segredo preferido, que nunca havia compartilhado com ninguém: "Os meus dias preferidos são os dias de chuva!"

Depois de horas ao telefone marcaram um encontro, um café. Queriam se conhecer. Ela estava ansiosa demais para isso. Queria conhecer logo essa pessoa, a pessoa perfeita, que a entendia. Quando chegou no café, esperou horas e ninguém apareceu. Ficou triste, começou a chorar. Ligou para amiga, aos prantos, não quis contar a loucura que fez. O que amiga ia pensar deste ato? Chamar uma pessoa estranha, de uma ligação errada, para tomar um café? Abafou a tristeza e chorou até que dormiu. Só que no meio da noite ela resolveu ligar. A pessoa atendeu e elas conversaram horas. Eram tão iguais. Tinham os mesmos gostos, mesmo os mais estranhos. Ela precisava encontrá-la. Queria muito conhecê-la. E passaram a se falar diariamente ao telefone, até que ela se apaixonou e implorou para marcarem um encontro de verdade.

Um dia, deprimida porque a outra não aparecia aos encontros, avisou o lugar e foi. Ficou esperando em um bar, sozinha. Tinha música e resolveu beber até que começou a se divertir. Já que a outra não queria aparecer, problema era dela. Ficou por lá, horas a fio, naquele bar que nunca tinha ido e ninguém a conhecia. Sentiu que podia fazer tudo, inventar um nome. Não fumava, mas estava acendendo um cigarro atrás do outro, dançando igual a uma gringa no meio da pista. Até que resolveu sentar. E enquanto fumava no balcão, viu uma mulher do outro lado, meio que de relance. O lugar era meio escuro, não dava para ver muita coisa, mas a mulher tinha olhos gigantes e a estava encarando. “É ela!” Intuiu eufórica. Atravessou o bar com as pernas trêmulas, não quis olhar direto, fingiu que não a tinha visto, pediu mais uma cerveja e sentou próximo da mulher, olhou de reflexo e viu os gigantes olhos azuis, parecidos com os seus, e se apaixonou perdidamente. Mesmo assim, estava nervosa demais e deixou a cerveja cair no chão. Ajeitou-se, e chegou mais perto. Resolveu assumir a embriaguez, o álcool é ótima desculpa nessas horas que precisamos de coragem, e sentou-se ao lado dela. Tirou força das entranhas e a encarou, ficaram cara a cara. Foi então, que se reconheceu naqueles olhos e percebeu que aqueles olhos eram os seus, e que se via no espelho. Não sabia se o que a confundiu foi o efeito do álcool, ou a solidão. A cabeça da gente é capaz de pregar truques. Ficou se olhando, horas, como não fazia há anos. Estava se conhecendo, se admirando, se achando bonita, se encantando com si mesma. Foi a primeira vez que se viu e descobriu a importância do que é se amar.

O Antropólogo

Há muito tempo atrás andei por um caminho não tão estranho, que quando dei por mim reparei que era minha cidade natal. Andei horas, como um turista, sem reconhecer nada. Os lugares que frequentava não existiam mais. Caminhei sem saber onde estava e sem saber como fui parar lá.

Aquela cidade bonita, repleta de vida, casinhas coloridas, havia sido soterrada por prédios cinzentos e suas árvores levadas à baixo. Agora, no entanto, mais parecia um cemitério silencioso, em que as lajes protegiam os moradores dentro dos enormes condomínios do mundo exterior. Eu não entendia o que era o mundo exterior, o lado de fora das grades. Era um constante cinza. Segui vagando curioso pelas ruas, como um antropólogo, tentando entender o que havia se passado. Pessoas estranhas, assaltos, prostituição, frieza e melancolia. Tive nojo daquela cidade e vergonha, por ter vindo dali. As pessoas mais pareciam mutantes, todos iguais, todos zumbis. Foi quando de repente ouvi alguém berrar meu nome. Levei um susto, quem seria? A voz parecia familiar então fui ao encontro do rosto desconhecido. Mesmo assim a pessoa me abraçou, disse meu nome com carinho e me chamou para beber. Não hesitei em aceitar, queria descobrir quem era que me tratava tão bem.

Sentamos, bebemos, fumamos. O bar era uma espelunca suja qualquer, logo me familiarizei. A pessoa começou a falar de nomes, ruas, lugares e fatos que não recordava. Quando viu que me não me situava, através da minha cara quase transparente que faço quando exito em demonstrar reações, tentou me situar. Falou sem parar até que contou um fato intrigante. As pessoas daquela cidade se sentiram tão sozinhas quando o rei que ali morava declarou a independência que começaram a construir arranha-céus bem altos, colocando lunetas no topo dos prédios para admirarem os cosmos. Eles sentiam prazer em olhar o céu, viviam de sonhos distantes. Achei aquilo estranho e pedi que me levasse na torre mais alta, onde pudesse ver as estrelas.

Foi quando me deparei, com a minha antiga casa. Era uma sala cheia, com tudo quebrado, velho, sujo e descuidado. O que antes era enfeitado com lâmpadas brilhantes e tecidos coloridos não existia mais. As pessoas que ali estavam pareciam anestesiadas com algo que fumavam, enormes narguilhes espalhados pela sala, cheia de cinzas por todos os lados. E elas olhavam sem expressão para o céu, que não tinha estrelas.

Quis ir embora, odiava aquele lugar, odiava aquelas pessoas, mas quanto mais tempo eu passava ali, mas queria me juntar a elas. Foi quando dei um berro e saí correndo sem olhar para trás. Corri horas até ver um taxi e pedi que o homem me levasse dali, para algum lugar com luz. Ele me levou para a praia e o dia já estava nascendo. Paguei ao taxista e ele me disse: don´t worry, whatever you go, there you are.

Achei estranho, não entendi, acho que não era a minha língua. Tirei a minha roupa, e entrei no mar. Comecei a chorar e as minhas lágrimas se misturaram com o sal. Chorei horas e dormi nu na areia. Acordei com o calor do meio dia e quis voltar para aquele lugar sem estrelas, lá tudo era igual e nada ia mudar, nunca. Parecia mais fácil agora estar ali. O luxo daquela sala que já foi minha não ia existir. Eu fui embora daquele vazio porque queria mais, mas agora queria voltar porque parecia melhor. É mais fácil se entregar do que lutar. Olhava o céu, luz, sol calor. Amei profundamente o barulho das ondas do mar. Foi renovador, então, quando vi um barco pesqueiro, simples, nadei até ele e os pescadores me acolheram, me deram roupa e água fresca para beber.

Fui adotado, aprendi a pescar, comia peixe e bebia água. Via a chuva e passei a não ter medo das ondas grandes. Até que um dia, vi o céu no mar e me joguei. Quase morri. A calmaria da água, traiçoeira, me levou para longe do barco e voltei para a mesma praia. Não sei como estava vivo. Não consegui pegar as estrelas, não estava desesperado. Andei andei andei até que cheguei na mesma estrada, da mesma cidade. Agora tinha flores e crianças nas ruas, deviam ser os filhos das putas que resolveram mudar o mundo. Os enormes prédios estavam com suas janelas abertas. Pequenas mudas de árvores foram plantadas nos canteiros. As paredes haviam sido pintadas.

Ouvi alguém me chamar, reconheci a voz e o rosto, era de um amigo. Bebemos, fumamos e rimos. Ele ficou impressionado com a minha coragem de ter me jogado ao mar para buscar as estrelas e me disse o porquê à cidade havia mudado tanto. “Não importa o que está lá fora e sim como você vê as coisas”. Acho que havia entendido, era tudo coisa da minha cabeça e eu estava bem.

Traçante

Entre a razão e a loucura, entre a loucura e a razão, acho que todos nós estamos sujeitos a vida entre o céu e o inferno. Presos na terra de homens devoradores de outros homens, na beira do abismo do medo. Cair é fácil, levantar é difícil. E quem diz o contrário não sabe de muita coisa, talvez nada.

Infernos particulares, foi uma obra que vi outro dia. A obra em si não era tão boa, mas o nome fazia toda a diferença. Fase negra da alma, alma sem calma, blábláblá. Pá, um eco na escuridão. Alguém caiu lá no fundo que não vejo mais. Porque o mundo inteiro está sujeito a antidepressivos? Por que as pessoas se sentem tão sozinhas? Se eu soubesse responder não estaria perguntando.

Então, confuso decidi procurar respostas, a arte do achismo é pura vaidade. Por isso decidi ir além, independente do que esta decisão pudesse me custar.

Um dia achei que seguia uma linha reta e caminhei incansavelmente nesta linha reta seguindo as estrelas. Foi quando um sujeito no meio do caminho me avisou que as estrelas mudavam de lugar e eu na minha ignorância não sabia que a linha reta é um traçado um tanto quanto complicado, porque quem diz que a linha reta é reta mesmo? Muitas vezes a linha circular é o melhor caminho. No entanto, isso é outra estória.
Segui a reta para me encontrar, e no percurso deixei minha barba crescer. Quando meus pés começaram a doer não parei. Segui e segui ao som de Beatles, depois Jimi, depois entrei num silêncio profundo. O Silêncio me trouxe um pouco de paz, contudo a paz virou um inferno e passei a não aguentar mais o silêncio nem a solidão. Foi aí que me deparei que tinha voltado para o ponto de partida. Mas como, se tracei uma linha reta?

O mundo é redondo, o mundo dá voltas, o mundo... Infinito. Não, eu não estava no mesmo lugar, mas parecia dejavú. Me senti garoto novamente com as mesmas incertezas e inseguranças. Foi vendo os meus pés que pude perceber o quanto tinha caminhado.

O último mergulho de um homem

Ele era pai de família, mas antes disso tinha sido um homem forte, um jovem rebelde, alegre, que adorava música e uma boa cerveja gelada. Agora, um homem sério, que olhava por debaixo das lentes fundo de garrafa com um olhar de cumplicidade para a mulher, tão adorada. Ela devolvia sutilmente o olhar com a paixão e o carinho de uma mulher que se sente protegida da vida ao lado de seu companheiro.

Foi durante um churrasco, com oito irmãos reunidos, filhos de um general durante a ditadura militar, que levou a família para passar à tarde de domingo. Os irmãos tinham uma relação diferente, meio fria, não porque não se amavam e não eram melhores amigos, mas porque simplesmente aprenderam a ser daquele jeito. E se reencontravam sempre que podiam, para manter certa tradição, que possibilitava de permanecessem uma família. Eles riam, relembravam ocasiões alegres, histórias de um passado em Minas Gerais, momentos. Conversavam sobre qualquer coisa só para estarem. Enquanto os primos brincavam, as mulheres fofocavam. A família tinha se estendido, eram crianças, primos e primas, uma típica bagunça sem muitas coisas profundas para acrescentar.

Já era tarde e o pai, irmão do aniversariante, deixou a reunião decidindo fazer uma parada no caminho de volta para casa. Seguiu dirigindo para a Praia da Reserva. A mulher concordou sem reclamar e os filhos, duas crianças inquietas se animaram. Ao chegarem à praia, as crianças que adoravam o horário de verão, como todo o pequeno carioca, correram do carro enquanto o pai acabava de trancá-lo. Abraçavam a mãe enquanto atravessavam a rua. O homem seguiu atrás.

Na areia o sol de fim de horário de verão se fazia brilhar nas águas verdes da praia da Barra, as ondas quebravam e se esfumaçavam com o vento. Existiam pessoas ao redor, meras figurantes para aquele momento.

As crianças corriam e molhavam os pés na água implorando para que a mãe as deixasse entrar, mas a mãe não deixava porque estavam sem roupas de banho e não tinha trazido tolhas. Pensava que talvez o marido brigasse na hora de sentar os pequenos no carro. No meio dessa confusão a família não reparou muito no que se passava com o pai, foi quando fez-se silêncio.

Por um momento, os olhos das crianças e da mulher se voltaram para aquele homem, com porte fino, magro e sem camisa, que contemplava o mar quase que em um transe, parado, estático, respirando. Ele estava ali, de frente ao mar, o apreciando como se fosse pela primeira vez. Com a simplicidade de um mineiro apaixonado pelo mar, porque talvez tivesse crescido sem aquele barulho, ou simplesmente porque a grandeza do mar é incomparável. E a mulher e seus filhos compreenderam que aquele homem, aquele herói, não estaria mais ali para eles. Ele não nadava como de costume, grande nadador, ele estava em um ritual. Ele estava sentindo o mar, o ar, a vida, e de uma maneira estranha, seus movimentos estavam diferentes, perceptíveis a olho nu. E parados ali, a família permaneceu calada a olhar o pai, nadando em direção as ondas que esfarelavam em sua direção, cheio de coragem. Eles sabia, aquela era a última vez que este homem entrava no mar.

Ele não nadou muito tempo, saiu do mar e esperou que o vento o secasse. Enquanto isso, a mulher e as crianças fingiam levar a vida numa boa, eram cúmplices do pai, ninguém precisava falar uma palavra, todos sabiam. Aqueles eram os últimos momentos e foi compreendido que teriam que ser vividos com amor. A filha abraçou o pai com força, apertando-o nos braços para que ele pudesse sentir o quanto era amado, sempre sem palavras. O filho abraçava os dois. A mãe, para segurar o desespero, fingia que era algo normal, uma simples brincadeira de criança. Ela não queria assumir a verdade, e compreensível, muito menos para ela mesma. Entram no carro, seguem para casa ouvindo música do rádio.

Pouco tempo depois o câncer avançou e tornou aquele corpo magro e forte em fraco, levando a dignidade daquele ser saudável, como toda a doença é capaz de fazer, até que levasse embora aquele pai de seu lar em uma maca. Mas foi ao dormir no quarto de um hospital, que o homem ao mudar de posição chamou por Tereza, aquela preta que o criava lá em Minas Gerais e o acolhia nas noites de frio, o amando como filho e o dando carinho, antes mesmo que ele pudesse sonhar com o mar. Foi assim que Pedro entrou em um sono profundo e nunca mais acordou.

O escrito mais complexo do mundo era aquilo

Andando na rua vazia. Um passo atrás do outro. Será que meus pensamentos voltariam ao normal ou para sempre ficariam acelerados? E todos os pensamentos, por mais corridos que fossem, faziam todo o sentido do mundo. E agora José?
Já não lembrava mais o caminho de casa, mas e daí, aonde era a sua casa? Você saberia dizer? Nem importava mais, o mundo rodou tanto que eles todos se perderam, até que um se perdeu do outro e aquele grupo que mudou o mundo, por alguns segundos, se separou. Mas na verdade, era tudo uma fase como muitas outras, e todas as fazem tem fim. E por assim sendo, não tenho muito o quê explicar, por que nada faz sentido.

Pelas ruas

Um dia desses, quando me deparei, vi que tinha morrido. Olhei para o lado e não estava mais lá. Ninguém se lembrava de mim. No desespero fui de pessoa em pessoa em plena Avenida perguntando se alguém um dia lembrou. Nenhum sinal. Mesmo aquele senhor da banca de jornal... Nunca me senti tão infeliz na minha vida.
Mas se morri, e ninguém se lembrava de mim, talvez fosse a chance de recomeçar do zero. Ser quem eu quisesse ser até parecia uma boa ideia. Mesmo assim como é difícil se libertar. Queria ter o mesmo corpo, as mesmas manias e vícios, bons e ruins. Então fiquei com raiva de mim e do mundo e perambulei como um mendigo, vivendo de esmolas e caridade.

Meu cabelo caiu, minha alma se perdeu até que esqueci meu nome. Andava com os cachorros, só eles me entendiam. Puro instinto. Virei puta e nunca gozei.
Virei, virei, virei... Até que parei de virar...
Morri, morri, morri... Até que cansei de morrer...
Inventei um nome tão sem sal...

"Perder-se também é caminho." Li isso em uma parede branca escrito em tinta preta. Mas foi conversando com uma velha bêbada que decidi largar do vazio. Ela era eu amanhã. Uma visão.
- Não, eu não quero morrer. Mas por favor, Deus, se for para morrer que seja por uma coisa que valha à pena e não para o vazio!

II

E eu podia ter inventado mil estórias como àquela, mas elas já eram sem graça e eu na minha desgraça não via nenhum prazer naquilo.

III

Mas que tolice a minha... A velha era eu! E eu era uma bêbada conversando com o vento, falando para fora, para quem quisesse ouvir. Uma esquizofrênica por vontade própria.
Lembrei de anos antes, um dia, falando para alguém cujo nome o tempo apagou... "porque fiz eu dos meus sonhos a minha única vida".
Nunca entendi o que me levou a isso. Não sei ao certo o motivo. Sei que simplesmente "virei" talvez por ter sido jovem e sonhar demais com uma utopia romântica. Algumas pessoas nascem para sofrer de amor e não recebê-lo.
Ismália minha querida, agora eu te entendo bem. Queria ter tido a coragem ou a covardia que teve. Queria ter pulado antes que os sonhos me consumissem e a realidade se perdesse (ou simplesmente aparecesse).
E agora eu sei... Eu sou saudade de alguma coisa que nunca tive e para ser sincera nem sei se vou ter. Mas continuo apenas sendo saudade e lutando contra isso.

Pelas ruas

Um dia desses, quando me deparei, vi que tinha morrido. Olhei para o lado e não estava mais lá. Ninguém se lembrava de mim. No desespero fui de pessoa em pessoa em plena Avenida perguntando se alguém um dia lembrou. Nenhum sinal. Mesmo aquele senhor da banca de jornal... Nunca me senti tão infeliz na minha vida.
Mas se morri, e ninguém se lembrava de mim, talvez fosse a chance de recomeçar do zero. Ser quem eu quisesse ser até parecia uma boa ideia. Mesmo assim como é difícil se libertar. Queria ter o mesmo corpo, as mesmas manias e vícios, bons e ruins. Então fiquei com raiva de mim e do mundo e perambulei como um mendigo, vivendo de esmolas e caridade.

Meu cabelo caiu, minha alma se perdeu até que esqueci meu nome. Andava com os cachorros, só eles me entendiam. Puro instinto. Virei puta e nunca gozei.
Virei, virei, virei... Até que parei de virar...
Morri, morri, morri... Até que cansei de morrer...
Inventei um nome tão sem sal...

"Perder-se também é caminho." Li isso em uma parede branca escrito em tinta preta. Mas foi conversando com uma velha bêbada que decidi largar do vazio. Ela era eu amanhã. Uma visão.
- Não, eu não quero morrer. Mas por favor, Deus, se for para morrer que seja por uma coisa que valha à pena e não para o vazio!

II

E eu podia ter inventado mil estórias como àquela, mas elas já eram sem graça e eu na minha desgraça não via nenhum prazer naquilo.

III

Mas que tolice a minha... A velha era eu! E eu era uma bêbada conversando com o vento, falando para fora, para quem quisesse ouvir. Uma esquizofrênica por vontade própria.
Lembrei de anos antes, um dia, falando para alguém cujo nome o tempo apagou... "porque fiz eu dos meus sonhos a minha única vida".
Nunca entendi o que me levou a isso. Não sei ao certo o motivo. Sei que simplesmente "virei" talvez por ter sido jovem e sonhar demais com uma utopia romântica. Algumas pessoas nascem para sofrer de amor e não recebê-lo.
Ismália minha querida, agora eu te entendo bem. Queria ter tido a coragem ou a covardia que teve. Queria ter pulado antes que os sonhos me consumissem e a realidade se perdesse (ou simplesmente aparecesse).
E agora eu sei... Eu sou saudade de alguma coisa que nunca tive e para ser sincera nem sei se vou ter. Mas continuo apenas sendo saudade e lutando contra isso.

Cheiro de memória

- Mas meu amor eu te juro que hoje eu fui sua e de mais ninguém. Hoje você foi meu primeiro e único amor, e que nunca houve ninguém, porque não consigo nem lembrar, nem saber. E pensando bem, olhando agora, só existe você. Sempre foi você. Antes mesmo de saber quem você era, eu já era sua. E meu bem eu te juro, que você é meu homem, eu sou sua mulher, mãe dos seus filhos (que ainda não tive), esposa e amante. E por favor, não vá embora depois que eu acorde, não quero te ver partir. Quero você para sempre, assim, na minha memória.

E depois do melhor amor do mundo, horas de orgasmos cobertos de lágrimas, ela dormiu, sem sonhos. Ele levantou e foi embora deixando apenas o seu cheiro nos lençóis. Cheiro que fixou na memória... Memória feito maré, inconstante. Será que ela daria mesmo seu amor para ele ou era tudo uma grande farsa? Amar, sentimento mais estranho. Como podia amar assim, alguém que mal conhecia? Então, acalmava os nervos tal pensamento. E mais tarde na cama, o fantasma do homem que levou com ele um pedaço de sua alma voltava a assombrar deixando o corpo todo dolorido.
Mas se as coisas têm que ser, elas simplesmente são. Não adianta forçar o destino, elas são. Andava na rua tentando se convencer porque enfim não ficaram juntos. What the hell! Já vinham as lágrimas. Segura para não caírem! Dizia-se em tom de briga. E seguia... Meio inconformada, meio sem rumo, meio buscando alguma coisa para preencher tal pensamento. "Será que sou obsessiva?" Mas nada adiantava... Não tinha remédio, e o tempo demora muito para curar. Quando achava que estava melhor, a dor voltava. Daí chorava um pouquinho e seguia.

II

A vida era boa, calma. Era feliz. Sua esposa uma grande companheira, estava sempre ali com ele. E ele de fato a amava. Só que amar em si não impede que ele lembra-se daquela outra com tamanho carinho. De fato ele sentia também. Engraçado, para ela fazia tanto sentido, mas como cada um seguiu seu rumo passou a achar tamanho sentimento loucura até que esqueceu. E de fato ele nunca se lembrava dela. Só foi lembrar outro dia, depois de anos, enquanto pegava o carro voltando do trabalho. Lembrou com carinho, lembrou com tesão. Bateu uma nostalgia. Queria sim ter vivido aquilo tudo de novo. E como lembrou também esqueceu. Chegou em casa, beijou a mulher e foi jantar. Nada tinha mudado.

O bicho que virou gente

Olhos de fogo que engoliam o mundo e devoram a cidade. Engole o mundo se não ele te engole. Não parava de pensar na frase que tinha ouvido de uma boca alheia em um ônibus qualquer. Engole o mundo se não ele te engole. Mas porque aquilo fazia tanto sentido? As pernas já não tremiam mais. Será que o medo tinha passado? E aquela menina, que parecia ingênua tinha se tornado uma mulher à margem da sociedade. Ela não tinha nome nem voz. Os olhos doces viraram um mar, aonde as lágrimas corriam com facilidade, lágrima de sangue, de quem sobreviveu à guerra. No entanto, secaram aos poucos, tornando o tom de voz mais parecido com um animal que rosna.
Passos tortos, de um compasso quebrado, de um relógio parado. Era assim que ela sentia. Aonde seria que iria parar?

Foi assim que ela virou bicho. Não era que era má, muito pelo contrário. Era boa. Só que sair dos parâmetros não é fácil, transforma qualquer um. Aprender a enxergar 180 graus pode doer. A solidão agora era um pouco de boa companhia e o mundo, o mundo era um pássaro.
Veste o chapéu e entra para o lado excluído, daqueles exilados. Contracultura, escória, ninguém sabe o nome se você não se fizer ouvir.

E o relógio que marcava um minuto atrás do outro parecia mais uma viagem de ácido porque tudo era inacreditavelmente muito rápido.
Então, os olhos mais dóceis que já vi, foram perdendo a alma, de pouco em pouco. Um dia, ela acordou com uma dor de cabeça... Quando se olhou no espelho reparou que não tinha nada dentro, e a cabeça era oca. Perambulou pelas ruas. Dias seguidos, até esquecer seu próprio endereço.

Vivia nos becos escuros, com aquelas pessoas que estavam na mesma. Todos no limbo. Todos querendo sentir, ou deixar de sentir, tanto faz. Todos querendo abrir os olhos para enxergar qualquer cor que fosse. E ela lá. Deixou seu lado humano, e todo o seu maldito orgulho. E quando ela voltou a se olhar no espelho ela não reconheceu, quem era aquele novo ser? Será que era coisa do demônio?
E toda vez que essa dúvida surgia precisava de mais entorpecentes para esquecer qualquer coisa que tinha pensado. E foi assim até que em uma das idas ao banheiro, se deparou com um bicho do outro lado do espelho. "MEDO!" Sentiu com força dentro de si. Começou a tremer. “Eu quero voltar para casa”- pensou. Então o diabo falou rindo: Você nem lembra onde fica.

Ela saiu correndo, desesperada... E quando chegou à rua gelada, sabendo que o sol não ia nascer, decidiu voltar para onde estava. Beber, fumar, qualquer coisa. É difícil se encarar, ficar frente a frente com você, é matar ou morrer.
Porque ela permitiu que o mundo levasse toda sua ingenuidade? Nem ela sabia, ela só sabia que foi procurando o amor de cama em cama, de nuca em nuca, esfregando a coxa nos rapazes que poderiam significar muita coisa, mas não, sempre saindo sem rumo. E assim virou bicho, uma pantera com olhos negros de amor.

E foram longos os dias no limbo. Até que ela se esqueceu de procurar o caminho de casa. Aceitou a sua atual situação e tentou se adaptar, ser feliz ali, daquele jeito. Nasceu dentro dela algo próximo da esperança, nome piegas e cafona, mas servia para ela. Encaixava-se bem. E numa das idas ao banheiro, naquele momento de olhar dentro do olho começou a ver o ser humano e todas as suas fraquezas. E numa dessas idas e vindas ela viu que não era mais aquele bicho, mesmo também que ainda não fosse gente. Depois disso veio o acaso e suas peripécias de algo que se chama destino.

Em uma tarde qualquer, foi retomando os sentidos e correu para o espelho. Já não era mais aquele ser sem alma, andarilho. Enxergava-se, tão estupidamente humana, que era tão bom como nunca foi. E chorou tanto... Ah cachoeira boa! Foi quando sua alma renasceu e sua pupila refletia luz, luz de piedade por si e pelo próximo. A fome de mundo tinha acalmado, finalmente a digestão! Finalmente pode entender qualquer coisa, mesmo aquelas que não eram para ser entendidas. Ser forte é bom e dói, nossa, como tinha valido à pena! Às vezes é preciso perder a alma para torná-la mais pura, mais bonita. Foi então que abriu a cortina viu que o sol estava lá fora brilhando a dias, sem que ela visse. E ela correu para o sol e para o novo, como uma criança no primeiro dia de aula. Com fome de se lançar em qualquer coisa que valesse à pena!