terça-feira, 9 de maio de 2017

Pedro era um exímio nadador. Moreno, magro, porte atlético, que via no oceano azul a sua maior fonte de inspiração. Cada braçada era um sentimento de valentia, principalmente sobre as águas geladas da Praia Grande. Foi ali onde começou sua obsessão pelo mar. Desde criança quando passava suas férias de verão o mar era como um deus. Sua brisa um respiro. Voltava sempre que podia, durante toda a sua vida. E, apesar de buscar novos mares, a Praia Grande era seu berço, sua força. Foi lá também onde catou sua primeira concha. A representação perfeita do feminino, feita pelas mãos da própria Afrodite. No interior das conchas moram o chamado do útero da mãe terra. Era assim que Pedro sentia. O som de cada concha um mistério, um segredo, perdido na imensidão do infinito. 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Sobre cadernos e linhas

Nunca gostei de pautas em cadernos. Linhas retas em que somos obrigados desde crianças a seguir.
Regras e mais regras. Ande na linha, siga a linha, o pensamento é algo linear. Os carros andam de forma linear, retas. Minha letra sempre foi complexa e com temperamento próprio. As vezes iam para um lado, outras, para o outro. Ficavam pequenas e presas demais em meus cadernos. Sempre bagunçadas, aspecto de sujas. Pulavam as linhas, queriam outros rumos. Foi quando decidi usar cadernos sem pautas. As letras corriam mais livres, soltas. Muitas vezes nem eu conseguia decifrá-las. Elas eram enigmas feito a esfinge. Letras tímidas como a minha personalidade, curva. Essas sim, eu sempre gostei. Porque quando tem curva você pode ir para o outro lado. A curva é quando a chavinha pode virar e tudo pode acontecer. A curva é o oito, o nove ou o seis, números cabalísticos que falam de mudança. O linear é confortável, padrão. Ele também é mais fácil, dói menos. É saber a reta a seguir, o caminho que possivelmente já foi direcionado. O resto é imprevisível, desconfortante, desafiante. Decifra-me ou te devoro. A curva pode ser uma montanha russa, uma caixinha de surpresa a cada esquina. Perigosamente deliciosa.


domingo, 7 de maio de 2017

Eu queria falar algo bonito hoje. Algo como os verdes da mata atlântica e meus sonhos em ajudar, ajudar os índios. Povos originários esquecidos de representação, assassinados feito carne podre de gado. Fazendeiros, empresários, ruralistas, quem tem dinheiro é quem manda. Eu queria falar dos meus sonhos, dos meus sonhos de deixá-los em paz. De meus sonhos de igualdade social. Mas, igualdade não existe e sonhos, sonhos morrem. Por mais incrível que pareça. Sonhos morrem cedo e as pessoas se envenenam com as expectativas que também se vão. E vários olhinhos que eram tão lindos e brilhavam tanto vão parando de pouco em pouco feito estrelas que se apagam no emaranhado do céu. 

sábado, 6 de maio de 2017

Retrato de Dom Quixote

Enxerguei nos teus cabelos algo diferente hoje. Moinhos de vento. 
É que por um estante me perdi de você e olhei a sua alma um pouquinho mais a fundo, lá dentro. E perto do peito existe sim um sentimento de confusão. Mas é que alma de sonhadores muitas vezes não se encaixam em simples retratos. E lá dentro do seu olhar, lá no fundo nesse desencaixe, eu vi o seu retrato em branco e preto. Mas não se avexe não, que só quem sonha alto consegue voar. 

Aonde mora seu coração? Quando foi que parou de ouvi-lo? Ou quando começou a confundir seu coração com seu pé, do pé com a cabeça e tudo virou uma grande bagunça?
Passei muito tempo sem conseguir 'saber' distinguir, separar uma coisa da outra. Sentimento, emoção, mágoa, amor, raiva, tudo se misturava numa mesma caixinha. Imagina a bagunça em lidar com tantas coisas ao mesmo tempo. Distinguir o bom do ruim, a mágoa do amor, Mas o pior, como se priorizar se a parede que te dá estrutura é mais frágil que qualquer castelo de areia feito por qualquer criança de dois anos ou três anos de idade?
Passei longos anos da minha vida assim... Trincando dentes e com uma dislexia cruel, onde esquerda e direita eram praticamente o mesmo lado. Direita racionalidade, esquerda emoções. Confusões mentais de prejudicar a elaboração de qualquer estrutura de pensamento. Pensamento também é o primeiro passo para a ação. Não, não era bipolaridade, mas sim, simpatizava com a depressão. A depressão para muitos é um mal moderno, compreensível quando vivemos nos alimentado de tudo que é tipo de informação. Assim como Bauman coloca brilhantemente: estes sãos os estímulos da sociedade pós contemporânea. E você, como tem reagido a esses estímulos? Será que de forma consciente?
Bauman é deprimente e desesperançoso, apesar de ser sincero. Meu gênero é diferente... Eu prefiro sonhar e voar alto. Mas é que ele fala sobre uma sociedade de massa e de coisas que não podemos ignorar, porque nos afetam. E, quando falamos de 'afetam' rima com 'afeto'. Não é a toa. Não dá para não falar de uma coisa sem a outra. Não dá para ignorar o fato que vivemos numa sociedade cheia de tendências, manias sociais, culturais, que nos afetam diretamente. E o que nos afeta se conecta com o os nossos afetos. Assim como existir numa sociedade nos liga a algo chamado superego social. Não vivemos sozinhos, além disso, a solidão pode ser um castigo. 'O infernos são os outros', esse é outro ponto de vista colocado por Sartre. Porque se o inferno são os outros e os outros são os nossos próprios reflexos, o que queremos captar dos outros para nós mesmos? Porque se estamos bem o outro não nos afeta. O outro também é reflexo do que queremos de melhor, do auto conhecimento, crescimento. Por isso que essa luta deve ser sempre constante... A busca eterna pelo auto conhecimento, o sair da caixinha, o fazer diferente, o se melhorar a cada dia, instante, minuto qualquer. O de não julgar, primeiramente a si, depois ao próximo. E o simples fato que parece fácil mas na verdade é a mais árdua tarefa: permitir-se.
Quando enraizamos essas estruturas dentro de nós deixamos de ser só mais um no meio da multidão para nos tornarmos seres humanos completos. Quer queira o que esse sentimento signifique, nos tornamos uno com o universo. Vivendo a totalidade, nos permitirmos. Ajudamos a massa, vivemos harmoniosamente com o coletivo. Mas pra começar, o despertar da consciência é e sempre será individual.

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segunda-feira, 1 de maio de 2017

O sol nasceu brilhante mais uma vez. Os dias eram assim, as vezes ensolarados, outros não.
Da janela se via a montanha verde, criava vida nas noites de luar... Ou as estrelas piscavam ou as nuvens tomavam formas de cavalos que desciam de enormes penhascos... Desfiladeiros, era como Amélia se sentia. Todo o dia ela sentava e tomava seu café enquanto observava a vida lá fora, sentia o fluxo, não se misturava. As vezes o café era amargo, ela gostava assim. Só para sentir o cheiro. O cheiro de café era sua meditação matinal. E porque Amélia trazia em si tantos conflitos internos, que pareciam imperceptíveis para quem a conhecesse. Ela fazia tudo sempre igual. Ela acordava e ia trabalhar. Era boa amiga, boa filha, preocupada, carinhosa. Não se misturava com politica. Não bebia. Mas, apesar disso tudo, escondido de forma sutil, perdido no seu gosto musical, cultuava um gosto estranho por Rolling Stones. Feito uma clandestina ouvia baixinho Sympathy for the Devil enquanto se remexia na cama, noite a dentro. Keith e Mick faziam ela ir longe, por lugares muito além do seu imaginário. Tão profundo, que era inadmissível compartilhar. Aquele era o seu mistério, seu segredo Ela ruborizava. É que mesmo sem saber, mesmo tentando não ser, toda mulher esconde dentro de si um lado selvagem. Que vibra mais forte e fala mais alto entre sussurros contidos na calada da noite.