domingo, 4 de março de 2012

O último mergulho de um homem

Ele era pai de família, mas antes disso tinha sido um homem forte, um jovem rebelde, alegre, que adorava música e uma boa cerveja gelada. Agora, um homem sério, que olhava por debaixo das lentes fundo de garrafa com um olhar de cumplicidade para a mulher, tão adorada. Ela devolvia sutilmente o olhar com a paixão e o carinho de uma mulher que se sente protegida da vida ao lado de seu companheiro.

Foi durante um churrasco, com oito irmãos reunidos, filhos de um general durante a ditadura militar, que levou a família para passar à tarde de domingo. Os irmãos tinham uma relação diferente, meio fria, não porque não se amavam e não eram melhores amigos, mas porque simplesmente aprenderam a ser daquele jeito. E se reencontravam sempre que podiam, para manter certa tradição, que possibilitava de permanecessem uma família. Eles riam, relembravam ocasiões alegres, histórias de um passado em Minas Gerais, momentos. Conversavam sobre qualquer coisa só para estarem. Enquanto os primos brincavam, as mulheres fofocavam. A família tinha se estendido, eram crianças, primos e primas, uma típica bagunça sem muitas coisas profundas para acrescentar.

Já era tarde e o pai, irmão do aniversariante, deixou a reunião decidindo fazer uma parada no caminho de volta para casa. Seguiu dirigindo para a Praia da Reserva. A mulher concordou sem reclamar e os filhos, duas crianças inquietas se animaram. Ao chegarem à praia, as crianças que adoravam o horário de verão, como todo o pequeno carioca, correram do carro enquanto o pai acabava de trancá-lo. Abraçavam a mãe enquanto atravessavam a rua. O homem seguiu atrás.

Na areia o sol de fim de horário de verão se fazia brilhar nas águas verdes da praia da Barra, as ondas quebravam e se esfumaçavam com o vento. Existiam pessoas ao redor, meras figurantes para aquele momento.

As crianças corriam e molhavam os pés na água implorando para que a mãe as deixasse entrar, mas a mãe não deixava porque estavam sem roupas de banho e não tinha trazido tolhas. Pensava que talvez o marido brigasse na hora de sentar os pequenos no carro. No meio dessa confusão a família não reparou muito no que se passava com o pai, foi quando fez-se silêncio.

Por um momento, os olhos das crianças e da mulher se voltaram para aquele homem, com porte fino, magro e sem camisa, que contemplava o mar quase que em um transe, parado, estático, respirando. Ele estava ali, de frente ao mar, o apreciando como se fosse pela primeira vez. Com a simplicidade de um mineiro apaixonado pelo mar, porque talvez tivesse crescido sem aquele barulho, ou simplesmente porque a grandeza do mar é incomparável. E a mulher e seus filhos compreenderam que aquele homem, aquele herói, não estaria mais ali para eles. Ele não nadava como de costume, grande nadador, ele estava em um ritual. Ele estava sentindo o mar, o ar, a vida, e de uma maneira estranha, seus movimentos estavam diferentes, perceptíveis a olho nu. E parados ali, a família permaneceu calada a olhar o pai, nadando em direção as ondas que esfarelavam em sua direção, cheio de coragem. Eles sabia, aquela era a última vez que este homem entrava no mar.

Ele não nadou muito tempo, saiu do mar e esperou que o vento o secasse. Enquanto isso, a mulher e as crianças fingiam levar a vida numa boa, eram cúmplices do pai, ninguém precisava falar uma palavra, todos sabiam. Aqueles eram os últimos momentos e foi compreendido que teriam que ser vividos com amor. A filha abraçou o pai com força, apertando-o nos braços para que ele pudesse sentir o quanto era amado, sempre sem palavras. O filho abraçava os dois. A mãe, para segurar o desespero, fingia que era algo normal, uma simples brincadeira de criança. Ela não queria assumir a verdade, e compreensível, muito menos para ela mesma. Entram no carro, seguem para casa ouvindo música do rádio.

Pouco tempo depois o câncer avançou e tornou aquele corpo magro e forte em fraco, levando a dignidade daquele ser saudável, como toda a doença é capaz de fazer, até que levasse embora aquele pai de seu lar em uma maca. Mas foi ao dormir no quarto de um hospital, que o homem ao mudar de posição chamou por Tereza, aquela preta que o criava lá em Minas Gerais e o acolhia nas noites de frio, o amando como filho e o dando carinho, antes mesmo que ele pudesse sonhar com o mar. Foi assim que Pedro entrou em um sono profundo e nunca mais acordou.

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