sexta-feira, 7 de maio de 2010

O cara

Lá estava ele, sentado na janela fumando sem parar. Um cigarro atrás do outro da sua marca favorita, Malborão. Estava aflito como há muito tempo não ficava. Faltava algo. A vista dava para o Cristo, mas não dava para ver o redentor porque estava em obras. Lá em baixo uma feira acontecia como todos os sábados de manhã. Apesar do barulho e do cheiro ruim de peixe, ele gostava. Achava feira uma coisa fotogênica, colorida, bonita de se ver. Do outro lado a Lagoa, que aparecia por uma fresta na janela no outro canto da sala, onde haviam prédios altos, que impossibilitava um melhor ângulo. Sou um cara de sorte! - Ele pensava. No entanto, aquele vazio continuava a perturbá-lo. Resolveu sair, afinal era sábado. Foi dar um rolé de skate, que não andava fazia tempos. Era engenheiro, trabalhava numa empreitera famosa, detestava o trabalho. Ganhava dinheiro. Escolheu Engenharia Elétrica, nem sabia o motivo. No tempo livre tocava baixo.
Botou o i pod no shuffle. Nossa, Planet Hemp soltando a fumaça no ar, caralho que saudade de ser muleke, zuar com os amigos, beber cachaça na Lapa, zuar as mulé, beber até cair, ir no show dos Raimundos. Porra, que saudade! - O cara estava todo melancólico.
Mas as coisas haviam mudado há tanto tempo. Tudo começou quando o Julinho morreu, ele era o melhor amigo de infância e de tudo. Os dois perderam a virgindade juntos, no mesmo puteiro. Os dois tomaram o primeiro porre juntos, o primeiro baseado, a primeira briga que bateram e que apanharam, os dois juntaram dinheiro juntos para comprar um Opalão, porque eles se achavam os caras. Pena que o carro durou pouco. Obviamente eles deram com Opalão num poste e a mãe do Julinho deu um ataque, obrigando-os a vendê-lo. Porém, mesmo eles tendo economizado a grana, deixando de sair e de fazer mil coisas durante um ano inteiro, o pouco tempo de vida do Opalão foi foda. Inesquecível.
Ele corria pela a Jardim Botânico, não sabia direito para onde ia, mas gostava do cheiro de mato molhado. Havia chovido de manhã. Eram só lembranças e a música que estimulavam seu corpo a correr como um louco. Parecia não ter medo de morte, correndo daquele jeito. Só que não era isso, ele já sabia que as pessoas morrem quando tem que morrer. O Julinho, foi o primeiro a acalmar, até casou. Parou com tudo antes da rapaziada, que também parou, mesmo que só tenha conseguido isso depois de ter sido internado numa clínica de reabilitação. Morreu cedo, leucemia. Porra, o cara não merecia! - Ficava arrasado pensando no amigo. Conversava com ele em pensamento.
Seu último namoro não tinha sido há muito tempo. No começo ela era demais, a mulher da sua vida. Mas ao longo de alguns poucos anos as coisas mudaram, ela não queria ele como ele era. Ela mesmo não curtia as coisas boas e simples da vida. Ele, obviamente, com uma personalidade forte, não gostava. Até porque ele era um cara muito legal e sabia disso. Mesmo assim, depois dela, ele não conseguiu achar ninguém. Até pensava em casamento, mas com quem? Queria ter filhos, ensinar a jogar bola, fazer albúm de futebol. Por enquanto era apenas um sonho.
Ele não usava mais droga alguma, só cigarros e as vezes topava uma aventura etílica. Era um cara bonito, mas atraia mulheres vazias, ou pelo menos não a certa.
Chegou na orla da praia, já era tarde, o tempo estava nublado, mas a pouca luz que refletia na água brilhava verde no mar. A praia, inacreditavelmente estava vazia. Nossa, que lindo! - contemplava. E quando acendeu mais um cigarro, enquanto andava com o skate na mão, com a camisa de botão aberta, lembrando de um conto de Allan Poe que havia lido há muito tempo, em que falava de um homem sozinho na multidão. Viu uma mulher andando com um cachorrinho. Ela estava rindo, de quê? - ele pensou. Ele coçou a cabeça tentando ajeitar o cabelo que estava comprido e todo bagunçado. Inconscientemente ele queria impressionar aquela menina. Não era a primeira vez que ele a via, ele já sabia da existência dela. Ele também imaginava que ela sabia da existência dele porque quando eles se cruzaram ela pareceu levar um susto. Os olhares se cruzaram rápido e os dois pareciam estar com o mesmo vazio existencial. Ficaram sem graça, olharam para os lados opostos, como se estivessem sozinhos, um do outro. Ele era alto, arrumou o andar, deu uma forte tragada no cigarro. Não quis olhar para trás, para ela. Pensou, quem sabe um dia eu não encontro com ela, a gente se conhece. Será que ela é legal como é bonita? - deu uma risada enquanto cossava a barba.
Cinco minutos depois ele já tinha esquecido aquele pensamento e aquele pequeno encontro. Apesar disso, o seu vazio tinha passado um pouco, como se houvesse uma esperança nova brilhando, dando energia para seguir. Tocava Nação Zumbi, No Olimpo, ele subiu no skate e decidiu voltar para casa, almoçar, ler um livro, encontrar com os amigos, parar de fumar, tomar um cerveja, arrumar uma namorada, fazer acontecer. Estava eufórico, ânsia de vida. Ele só pensava - Querem me calar, mais olha eu aqui de novo!