sexta-feira, 30 de abril de 2010

diário de algum momento

Eu não sei porque eu me acostumei com a morte. É estranho, ninguém deveria se acostumar com isso. Acho que em 1997 todo mundo que podia morrer na minha vida morreu, mesmo aqueles que estavam vivos. Deve ser por isso que não sei separar as coisas, o real do imaginário. Criei mil barreiras para não me ferir. Já perdi o meu herói, não quero sucumbir a outras perdas dessa intensidade, se é que elas existam. Meu segundo herói, me desencontrei dele, eu quero encontrá-lo. Novamente? Será que ele é? Ele é? nossa, isso é muito difícil de dizer, porque tudo é nada, e o ser humano tem a capacidade de criar no imaginário um universo de ideias que é inimaginável. Ele é? Não sei me separar de vivos, não aprendi isso. Porque eles estão sempre ali, então será que têm que se separar desses? Acho que o mais difícil nesse tempo contemporâneo é conseguir desvencilhar o mito da verdade absoluta. Absoluta, nossa que clichê! Mal estar da sociedade de massa. Eca, eu faço parte disso? Quem eu sou? onde estou? Não, não sou Alice! Sou Nice! Quem é Nice? Tanto faz? Pode ser, é tão indiferente. A gente surta e chora e cria e levanta e morre e nasce, tantas vezes, tantos ciclos, sempre iguais. Ahhhhhhhhhhhhh deixa eu gritar!!!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Meus botões

Eu acho que sou uma pessoa muito melancólica. Não me lembro bem da minha infância, mas acho que foi sempre assim. Não foi desde sempre que tive minha coleção de botões. Coloridos, velhos, achados, que caem das roupas. Sempre tive uma porção deles. Nunca consegui jogar fora algum. As vezes eu os pego e fico olhando, penso como são curiosos, misteriosos. Que história eles carregam?

Me recordo de um dia, quando tinha 6 anos. Foi o meu primeiro contato com a morte. Minha mãe me anunciou o falecimento da minha querida tia avó. Com certa frieza, achando que estava me ensinando, e de certo estava. Isso foi há muito tempo, já não sei de quê doença ela sofria, só sei que ela passou muito tempo doente. A titia tomava conta de mim, brincava comigo, fazia sopa para mim. A gente vivia rindo. Um dia ela não apareceu mais e minha mãe disse que ela estava doente. Depois de uns meses minha mãe disse que ia visitá-la, pedi que ela esperasse porque eu ia escrever uma carta. Foi minha primeira carta de despedida. Mesmo eu não sabendo ainda o que era morte. Depois de um tempo descobri que aquela visita seria a última de minha mãe à Titia. Tinha sido o seu enterro e minha carta seguiu em seu caixão.

No dia em que soube, não chorei, mas fiquei profundamente abalada. Descobrir que não irá mais ver alguém é uma coisa estranha. Minha irmã mais velha se comoveu comigo, tão jovem. Me levou para tomar um sundae, não é qualquer sorvete para uma criança, e me deu uma caixinha de música em forma de piano dourado com pássaros e flores desenhados. Fiquei feliz, vi que a vida continuava e passei a guardar ali os meus botões.

Não lembro ao certo o conteúdo da cartinha que seguiu com Titia, no entanto, creio que era uma profunda despedida. Será que eu já sabia que existia a morte? Será que está no instinto humano animal? Afinal, a gente nasce e em algum momento estranha esse fato, mesmo sendo uma estranheza extremamente inconsciente e passageira.

Não foi a última vez que escrevi cartas a mortos. Aliás, aquela só foi a primeira. Ao longo dos anos, escrevi tantas cartas, mas que nunca entreguei, que guardo e rezo para que tenham sido entregues por pensamento. Parece loucura? Porém, essa foi a forma que descobri de botar para fora meus sentimentos. Amantes, amigos, vivos e mortos. Ah, a saudade. Palavra nossa.

Meus botões, minhas cartas e minha melancolia. Coleções de uma história de vida. Essas coisas não me tornam em uma pessoa triste, muito pelo contrário. Ter saudade é bom, o triste é não tê-la, não ter o que lembrar e o que sentir falta. Amigos, amantes, família.

Quando mamãe morreu, me pediu uma carta. Disse que nunca esqueceu das palavras na carta ao meu falecido pai, que ela própria levou ao enterro e colocou no bolso do paletó dele. Me falou de como a carta fez bem a alma dela. "Eu te amo em qualquer lugar que você estiver. Mesmo você estando longe."


[em construção]